Desde 1972, quando fundou a CVC, em socidedade com Carlos Vicente Cerchiari, no Centro de Santo André, ele desbrava este segmento
Embora considere ser “muita pretensão” dizer que revolucionou o turismo brasileiro, Guilherme de Jesus Paulus foi um dos principais responsáveis pela popularização do setor no País. Desde 1972, quando fundou a CVC, em socidedade com Carlos Vicente Cerchiari, no Centro de Santo André, ele desbrava este segmento, criando destinos e possibilitando que cada vez mais pessoas os conheçam.
Seu afastamento da CVC coincide com o pior momento da empresa, com crise e dívidas. A volta, como consultor informal do filho Gustavo, significa o renascimento da marca.
RAIO-X
Nome: Guilherme de Jesus Paulus
Aniversário: 10 de julho
Onde nasceu: São Paulo
Onde mora: São Paulo
Formação: Administração de Empresas
Um lugar: Jerusalém
Time do coração: Corinthians
Alguém que admira: Luiza, minha esposa
Um livro: O Melhor Vendedor do Mundo, de Og Mandino
Uma música: Sampa, de Caetano Veloso
Um filme: O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Copolla
O Sr. revolucionou o turismo no Brasil?
Seria muita pretensão minha falar que eu revolucionei. A gente tinha bons profissionais ligados ao turismo, mas conseguimos introduzir, na década de 1970, quando eu montei a sociedade com o CVC, o Carlos Vicente Cerchiari, essa visão que a gente teve. Porque a indústria automobilística aqui do Grande ABC era fortíssima. Você tinha a Volkswagen com 48 mil empregados, a Mercedes-Benz com 30 mil, a Ford com 30 mil. A General Motors também. Então havia um fluxo muito grande. E todas essas empresas geraram benefícios para os funcionários criando clubes. Depois foram criadas as cooperativas. Faltava introduzir o turismo. E a gente conseguiu levar o turismo à mesa do trabalhador. Uma coincidência, quando nós montamos a CVC, um ano e meio depois, entrou o depósito compulsório. Para você viajar ao Exterior, tinha direito a comprar US$ 1.000, mas precisava depositar os mesmos US$ 1.000 numa conta que depois o governo deveria devolver. E aquilo minou muitas viagens internacionais. Porque as grandes empresas que mandavam os diretores, ou mesmo as áreas de vendas, de marketing, viajar para fora, deram um corte. Só viajava o presidente, porque o custo era alto e deixar dinheiro parado não dava. E a Mercedes pediu uma cotação de três ônibus para o Vale do Itajaí, em Santa Catarina. A gente atendia mais corporativo, porque naquela época quem viajava eram pessoas mais abastadas, que tinham mais dinheiro. E iam para Nova York, para Los Angeles... Daí eu fiz aquela cotação dos ônibus e acabei ganhando a concorrência, o negócio começou. Aí eu fui na Ford, o presidente do clube me deu o calendário de viagens. Tinha passeio de um dia, de fim de semana, feriado prolongado, férias coletivas da fábrica, programa de aposentados... Olhei aquilo lá e falei: ‘É uma mina de ouro’. Daí fui pesquisar e descobri passeio para a Caverna do Diabo, pescaria em Santos… Começaram as excursões. De passeios de um dia para Campos de Jordão. Águas de Lindoia. Serra Negra. De fim de semana para o Rio de Janeiro. Foi aí que começou, com a CVC pegando todas as grandes montadoras. As pessoas não sabiam que havia essa possibilidade de viajar. Foi aí que eu conquistei um público muito grande. Acompanhando o crescimento da indústria e levando o turismo para o trabalhador. Era o lazer dele viajar de férias. E criou-se esse negócio todo.<EM>
O Sr. começou a CVC em Santo André, que sentimento tem pela cidade?
Todo mundo falava em levar a CVC para outra cidade. Eu não concordava, pois é a origem dela. Eu fui presidente do conselho por dez anos e nunca concordei com a saída. Mesmo na época da Carlyle (em 2010 o fundo de investimento Carlyle Group comprou 63% da CVC), que eles queriam levar tudo para São Paulo. A experiência com a Carlyle foi fantástica. A visão norte-americana é totalmente diferente. É negócio 24 horas. Para mim foi um aprendizado.
Qual foi o papel da CVC para descobrir rotas turísticas no Brasil. Eram muito diferentes os destinos que existiam antes da CVC?
Eu aprendi com o doutor Mario Faro (1921-2010). Eu trabalhei na Casa Faro (Turismo e Câmbio) dois anos. E ele falava: ‘Imagina uma viagem, você tem de ser o viajante, ter conhecimento e encontrar facilidades e conforto para você que está viajando’. E o turismo se faz assim. Você tem que ir pesquisar. Nós fomos os criadores do rodoaéreo. Tinha uma viagem à Bahia que eram 13 dias de ônibus. Depois quando chegava em Salvador, voltava por Feira de Santana (Bahia), descia até Teófilo Ottoni (Minas Gerais), não tinha muita coisa. Não era um negócio confortável para turista. Aí eu falei: ‘Mas e se a gente voltar de avião de Salvador, daria quantos dias?’ Duas noites no Rio de Janeiro, uma noite em Cabo Frio, duas em Porto Seguro, três em Salvador. Dá 11 dias. Com dez dias de viagem, saia daqui (de São Paulo) o avião para trazer o pessoal. E já levava o outro grupo. Que voltava no roteiro inverso. O ônibus ficava 22 dias para chegar em Santo André de novo. Eu falei: ‘Se eu criar um outro roteiro, de Salvador até Fortaleza. Esse mesmo avião sai daqui e vai até Fortaleza. Quantos dias dá?’ Fiz isso de carro. Eu vendia o roteiro da Bahia e o roteiro de Fortaleza dentro do mesmo ônibus. Esse ônibus subia, parava em Salvador. Aí não tinha mais o ônibus que voltava para cá, ele seguia a viagem. Então intercalava a cada 15 dias. E para controlar isso? Eu tinha uma formação básica de computação. Eu tinha um computador e fiz um programa e coloquei nas lojas da CVC. Então, o nosso sistema de reserva era pioneiro na época. Tanto que até os maiores operadores do mundo quiseram conhecer. Daí nós estendemos o rodoaéreo. Ia de avião de Fortaleza até Manaus. Fortaleza, São Luís, Belém e Manaus era outro roteiro. O pessoal começou a conhecer, a desenvolver mais o Brasil. Daí desci para o Uruguai e Argentina. Fomos até o Chile. E assim foi, criando o rodoaéreo. Depois ficou só o aéreo.
Hoje ainda existem destinos a serem descobertos?
Você tem de achar soluções. Você tem que agradar o seu consumidor, mas para isso você tem que estudar, tem que se dedicar. Um dos grandes espetáculos que a gente tem é a Serra Catarinense, que é pouquíssimo divulgada. A Serra do Rio do Rastro está lá e ninguém sabe, é do catarinense e fim de papo. Então você tem que ter a criatividade de saber quais as alternativas que tem e o que você pode fazer. Você vai procurando. Quem participa da seleção hoje é meu filho (Gustavo). Ele é um dos caras mais bem preparados para o turismo, porque nasceu dentro da CVC e passou por tudo. Desde a operação da CVC até o marketing. Ele teve uma experiência fantástica.
O Sr. tinha uma rede de hotéis, vendeu, mas manteve o Castelo Saint Andrews, em Gramado, no Rio Grande do Sul. O nome tem alguma referência a Santo André, onde começou a CVC?
Desde que eu comprei já tinha o nome. Porque o casal que era o proprietário jogava golfe profissionalmente. E a mulher ficou encantada com o Castelo de Saint Andrews, na Escócia. Eles tinham essa propriedade em Gramado, num condomínio fechado, com 15 mil metros quadrados e ele resolveu fazer a réplica para o lazer. A tecnologia era fantástica, satélite e tal. A rainha da Jacarta teria se hospedado lá.
Dele o Sr. não abre mão?
Depois que eu tinha comprado pensei: ‘Eu não entendo nada de luxo’. E conversando com o João Doria ele me me disse para falar com o José Eduardo Guinle (ex-diretor geral do Copacabana Palace, morto em 2021). Ele foi conhecer e ficou encantado. Montou tudo para mim e ficou dois anos e meio comigo. É um outro público. É um mercado diferente. Comecei com 11 quartos e hoje estou com 21. Fiz uma casa de férias. E agora a gente está com um projeto de fazer mais dez apartamentos e uma piscina ao ar livre. A gente tem uma piscina coberta. Criamos uma programação especial também. E nós temos wine e todo sábado trazemos uma vinícola diferente. A gente já levou mais de 30. É uma degustação sempre conduzida pelo proprietário ou pelo enólogo. E tem sido um sucesso. Está sempre cheio. Cabem 20 pessoas. Às vezes tem lista de espera para a gente fazer duas rodadas na mesma noite.
Hoje qual é a sua participação na CVC?
Hoje o meu filho está com a vice-presidência do conselho. Ele é o segundo maior acionista. Acho que deve estar na faixa de 4% ou 5%. Eu não estou mais na CVC. Eu encerrei a minha carreira. Quando o (Fábio) Godinho (CEO da CVC Corp) ou meu filho têm alguma dúvida eu digo: ‘Olha o caminho é assim, é assado… Agora vejam o que vocês querem fazer’.
Como o Sr. enxergou quando a CVC começou a enfrentar aquela crise que acabou desaguando em grandes problemas financeiros? Como é que você acompanhou tudo isso?
Quebrar dificilmente quebraria porque ela é muito forte na venda e na credibilidade junto aos fornecedores. A CVC tinha um poder muito grande de transportar pessoas. Eu nem culpo muito o Leonel (Andrade, ex-CEO da CVC Corp), porque ele entrou no dia 1º de abril (de 2020), no Dia da Mentira, e depois veio a pandemia. O grande erro foi na escolha do CEO. Quando o (Luiz Eduardo) Falco (ex-CEO) saiu, a diretoria foi destituída totalmente e tudo isso deixou a empresa combalida. E o Leonel sofreu muito com a pandemia. Não teve uma solução direta. Daí, na época, até o pessoal do (banco) Opportunity nos procurou (para saber) se a gente voltaria. Só que o nosso nome pesa muito. Uma volta é uma responsabilidade gigantesca. Meu filho me disse: ‘Pai, você não confia?’. Eu falei: ‘Em você eu confio, mas não sei como são as condições do País’. Daí eu falei eu trago o Godinho e todo o pessoal de volta. Conversei com alguns diretores, que tinham sido dispensados. Todo mundo topou voltar. Eu não imaginava, aquela força que tinha o nome. As companhias aéreas ligando, a hotelaria ligando, as redes. Falei para ele: ‘Gustavo, você está com a faca e o queixo na mão, agora é com você o jogo’.
E o turismo local, o Grande ABC é um destino vendável?
A gente não tem grandes divulgações. Por exemplo, vamos falar do Paço Municipal de Santo André, o jardim foi feito pelo Burle Marx. Carece de divulgação, tanto na área cultural, como na área religiosa, mística. Nós não temos nada ligado ao turismo. Então o que falta aqui é pegar um bacharel de turismo, formado, porque ele vai fazer. Agora não adianta a gente pegar um cara que não tem nada a ver com turismo. Tem ainda o Riacho Grande, Paranapiacaba… Não é apenas mostrar, é ter alguém que desenvolva esse tipo de trabalho, fazer um acordo com a estrada de ferro. Aqui tem uma vida noturna boa, com bons restaurantes. É necessário ter aspectos para mostrar a história. Se ninguém fala e ninguém faz, não acontece nada. Tem de falar com as agências de viagem e criar algum atrativo, alguma feira.
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